Guarda-rios… o raio azul

O Guarda-rios (Alcedo atthis) é uma das aves mais coloridas e encantadoras da nossa avifauna.

Esta pequena ave de aspeto rechonchudo tem um bico desproporcionalmente comprido, cabeça grande, cauda e patas curtas e pode atingir 19 cm de comprimento.
A sua plumagem é de um azul esverdeado na coroa e nas asas. O dorso e a cauda refletem um azul intenso que contrasta com o laranja forte das faces e das partes inferiores e com as manchas brancas da garganta e do pescoço. As patas são avermelhadas.

Guarda-rios

Os menos atentos não conseguem observá-la facilmente pois, na maioria das vezes, passa veloz a voar junto à água e só nos apercebemos da sua presença porque parece uma flecha azul à superfície da água. É esta a razão de ser apelidada, por muitos, de “raio azul” pois é este o cenário mais habitual de contacto com esta ave. Só com muita sorte e paciência temos oportunidade de ver um guarda-rios pousado num ramo, local onde espera pacientemente a oportunidade de apanhar as presas de que se alimenta.

Guarda-rios

O macho e a fêmea do Guarda-rios são idênticos. Para os distinguirmos basta olharmos para a cor do bico. O macho tem o bico totalmente preto e a fêmea tem parte da mandíbula inferior avermelhada.

Guarda-rios

Os juvenis são muito semelhantes aos adultos mas as cores são menos vivas e as patas são acinzentadas.
As cores da cabeça, dorso e asas, que variam entre o azul-turquesa e o verde-esmeralda dependendo da quantidade, qualidade e ângulo de incidência da luz, podem levar-nos a pensar tratar-se de aves diferentes. A mesma ave pode num instante parecer-nos de um azul intenso e noutro a seguir apresentar uma plumagem verde. (ver vídeo)

Por ser uma ave tão colorida, o Guarda-rios é bem conhecido das populações e por isso foi batizado com, pelo menos, vinte e cinco nomes diferentes, consoante a região do país. Alguns desses nomes são: chasco-de-rego, espreita-marés, freirinha, juiz-do-rio, martinho-pescador, passa-rios, pica-peixe, piçorelho, pisco-ribeiro e rei-do-mar.

A alimentação desta pequena ave consiste, principalmente, em peixes e pequenos crustáceos que captura peneirando sobre a água e depois mergulhando, normalmente a partir de um poleiro sobre a água.

Guarda-rios

(ver vídeo)

O Guarda-rios é um exímio caçador dentro de água e o seu sucesso deve-se a vários fatores:
– os seus olhos, munidos de fotorreceptores, funcionam como filtro polarizador que elimina os reflexos da água ajudando-o a ver melhor o que se passa no mundo aquático.

– como possui duas fóveas (zonas dentro do olho onde se formam as imagens mais nítidas devido à grande concentração de fotorrecetores) em cada olho, utiliza a fóvea que está mais próxima do bico quando está fora de água, usando a segunda para ver dentro de água conseguindo assim, muito rapidamente, ajustar a visão de fora da água para dentro da água e vice-versa.

Para além de um bico especializado estas características ao nível da visão permitem-lhe medir com precisão as distâncias dos poleiros à água e fazer as correções necessárias aos problemas criados pela refração da luz na água, tendo por isso uma alta taxa de sucesso de captura à primeira tentativa. É à superfície que prefere capturar as presas de que se alimenta porque os peixes conseguem sentir as vibrações causadas na água, pelo seu mergulho.

Depois de capturar a presa, usa o bico para a atirar com força contra uma superfície dura (como se fosse uma lavadeira a bater com a roupa nas pedras do rio) e quando ela estiver atordoada ou morta engole-a pela cabeça, para não haver problemas com espinhas ou escamas e facilitar a digestão.

Guarda-rios

O Guarda-rios frequenta uma grande variedade de habitats de água doce, salobra ou mesmo salgada, podendo estar localizados na orla costeira, estuários, lagoas costeiras, pisciculturas, arrozais, valas, cursos de água, pauis, açudes e barragens podendo assim ser encontrado em todo o território nacional continental sendo, no entanto, mais comum nas regiões do litoral (mais na metade sul) e abaixo dos mil metros de altitude.
É por isso uma das belas espécies que podem ser observadas, também, no Rio Vez.

Guarda-rios

Nos grandes estuários e lagoas costeiras parece ocorrer sobretudo fora da época de nidificação, estando presente sobretudo de Agosto a Abril.

A época de reprodução desta espécie ocorre, normalmente, de Abril a Julho.
Os seus ninhos consistem em pequenos túneis escavados em taludes arenosos, junto a cursos de água calmos e com abundância de alimento.
Habitualmente faz uma ou duas posturas, normalmente de 4 ovos que incuba durante 19 a 20 dias. Os juvenis voam ao fim de 23 a 27 dias.

Tal como outras espécies, também o Guarda-rios está sujeito a muitas ameaças:
-as alterações do uso das margens e leitos dos cursos de água, como a canalização dos cursos de água ou o aprisionamento da água sem assegurar os caudais ecológicos, podem pôr em risco a permanência da ave nesses locais;

-a poluição da água por efluentes domésticos, industriais e agrícolas, nomeadamente com adubos, pesticidas e herbicidas nas zonas de alimentação, contaminam e reduzem os recursos alimentares.

-áreas ricas em peixe e insetos são essenciais para conservação da população nidificante pelo que se deve garantir a vegetação necessária à existência destas espécies de que se alimenta;

-a perturbação nas áreas de nidificação e de alimentação, normalmente causadas por atividades associadas ao turismo, caça e pesca desportiva, põem em risco a nova geração de Guarda-rios desses locais.

Esta ave é comum em Portugal Continental e a sua distribuição inclui parte da Europa, norte de África e Ásia. As suas belas penas foram outrora usadas como adornos de chapéus e joias em vários países europeus e asiáticos. Como algumas destas penas são vistosas não pela sua cor mas pela sua estrutura (é esta que condiciona o modo como a luz do sol é refletida tornando-as muito brilhantes) isto quer dizer que esses chapéus e joias perderiam parte do seu interesse quando estivessem à sombra. Certamente foi por isso que deixaram de ser utilizadas para esses efeitos o que diminuiu a sua captura.

Guarda-rios

Tratando-se de uma ave residente, é possível a sua observação durante todo o ano em vários locais do Rio Vez, nomeadamente na zona urbana. Se percorrer as margens do Vez com atenção poderá ter a felicidade de o ver, como um raio azul a passar junto à água ou empoleirado nalgum ramo. Verá que vale muito a pena!

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