Lontras no Rio Vez, um privilégio que alguns não reconhecem

A Lontra-europeia (Lutra lutra), também conhecida como Lontra-euroasiática, Lontra-comum ou Lontra-do-Velho-Mundo, é uma espécie de lontra da família dos mustelídeos.
Possuindo uma vasta área de distribuição (existe na Europa, Ásia e África), a lontra é um dos mais belos, interessantes e ameaçados mamíferos da fauna Europeia sendo a população Portuguesa desta espécie, neste momento, uma das mais saudáveis do continente. 

Intimamente associada às zonas húmidas, a Lontra-europeia pode ser encontrada em todos os locais com água permanente e não muito poluída e que estejam relativamente livres de perturbação humana. Podemos assim encontrar estes mamíferos em águas continentais (rios, ribeiras, lagoas, albufeiras, etc), em águas salobras (estuários) e no litoral marinho.
São ainda referidos como determinantes para a espécie a presença de um coberto vegetal que forneça abrigo e a disponibilidade de alimento.

Lontra-europeia (Lutra lutra). Foto © Bernardete Amorim

Por se tratar de um animal semi-aquático, a lontra possui um corpo alongado, fusiforme e muito flexível, que lhe confere grande hidrodinamismo. O pescoço é curto e largo e a cabeça é achatada, provida de pequenas orelhas. Os olhos são pequenos e estão deslocados para a parte superior da cabeça, não apresentando uma posição lateral como em muitos mustelídeos. A cauda é longa, de comprimento superior a mais de metade do tamanho do corpo, muito musculada e achatada dorsoventralmente na região intermédia e afunilada na extremidade, útil na deslocação dentro de água funcionando como leme.

Lontra-europeia (Lutra lutra) . Foto © Bernardete Amorim

As lontras têm o mesmo peso molhadas ou secas. Tal facto deve-se à eficaz proteção das duas camadas de pelos. A primeira, interna, é impermeável e densa, com pelos de 10 a 15 mm que retêm bolhas de ar funcionando como isolamento térmico. A segunda, externa, tem pelos que podem alcançar os 25 mm sendo também impermeável. A pelagem é castanha escura sendo progressivamente mais clara ao atingir a região ventral. As patas são palmadas, as garras são pequenas e não retrácteis, estando os cinco dedos unidos por uma membrana interdigital.
A localização das orelhas, nariz e olhos, na parte superior da cabeça, permite que os mesmos se mantenham fora de água quando a lontra nada à superfície.

Lontra-europeia (Lutra lutra). Foto © Bernardete Amorim

A linha superior do rhinarium (área nua e geralmente húmida que circunda as narinas), preta e sem pelos, forma um ‘W’. No focinho encontram-se longos pelos sensoriais (de aproximadamente 25 cm), as vibrissas, que parecem ter uma função na deteção de presas dentro de água.

Lontra-europeia (Lutra lutra). Foto © Bernardete Amorim

A espécie apresenta um dimorfismo sexual pouco acentuado, sendo o macho maior. O macho atinge, em média, 120 cm de comprimento (dos quais 45 cm correspondem à cauda) e entre 8 e 16 kg de peso. A fêmea, por sua vez, pode atingir um comprimento de cerca de 105 cm e pesa entre 6 e 12 kg.

A dieta desta espécie é maioritariamente piscívora, embora possua um amplo espectro alimentar (pode incluir anfíbios, pequenas aves aquáticas, caranguejos, pequenos mamíferos, para além de invertebrados como crustáceos e insetos), que varia consoante a disponibilidade e abundância, local e sazonal, de presas (a lontra come, em média, por dia cerca de 15% do seu peso). Antes de mergulharem, as lontras respiram fundo, o que lhes permite nadarem debaixo de água durante mais de 4 minutos. Estes animais ouvem muito pouco quando mergulham, pelo que usam a sua ótima visão para encontrar alimento na água. As lontras usam as vibrissas para ajudar a detetar peixe em águas escuras.

Lontra-europeia (Lutra lutra) . Foto © Bernardete Amorim

A organização social desta espécie não é rígida, estando dependente de fatores demográficos e ambientais.
É um animal geralmente solitário e ocupa um território que pode ir de 5 a 15 km, que é marcado com secreções odoríferas e fezes.
O macho vive normalmente sozinho numa área que pode incluir o território de uma ou mais fêmeas. Elas constroem uma toca entre raízes de árvores, em troncos ocos ou numa cavidade rochosa, que às vezes possui uma entrada debaixo da água. Os territórios destas são áreas de alimentação (que aumentam na época da reprodução) não sobrepostas às das outras fêmeas.

A lontra pode reproduzir-se durante todo o ano mas acasala sobretudo no final do Inverno e início da Primavera (entre fevereiro e abril, épocas estas que se encontram diretamente relacionadas com a disponibilidade alimentar local). A gestação dura cerca de 9 semanas (60 a 63 dias) e a ninhada tem, habitualmente, entre 2 a 3 crias (podendo ter entre 1 a 5), que nascem cegas, sem dentes e com o tamanho de um rato, aproximadamente. As crias só saem das tocas ao fim de cerca de 3 a 4 meses, altura em que são encorajadas a nadar (a sua pele não é a prova de água até atingirem esta idade). São amamentadas durante cerca de 10 semanas e ficam com a mãe durante cerca de 1 ano. As lontras atingem o estado adulto aos 2 anos.

Lontra-europeia (Lutra lutra) – fêmea e crias . Foto © Bernardete Amorim

A taxa de mortalidade desta espécie é mais baixa no 1º ano de vida do que no 2º, quando se tornam independentes. Decorridos os dois primeiros anos, a lontra tem cada vez mais probabilidade de sobrevivência, sendo que a taxa de mortalidade se situa, a cada ano, nos 25%. No estado selvagem, poucos indivíduos conseguem ultrapassar os 10 anos de vida embora em cativeiro possam chegar aos 25.

Além de comunicativa e inteligente, a lontra é um dos animais mais brincalhões. Os seus jogos, que podem ter lugar dentro ou fora da água, chegam a incluir o uso de objetos (como frutos, paus ou pedras) ou o escorregar na neve ou em encostas enlameadas.

Vários são os relatos de observação de lontras a brincar no Vez havendo já também vários registos (em fotos e em vídeos), da espécie, em toda a zona urbana de Arcos de Valdevez.

Como é um animal silencioso e de hábitos predominantemente noturnos, o que torna difícil a sua observação na Natureza, é um privilégio podermos observá-las tão frequentemente no Vez, na zona urbana e durante o dia.

A Lontra-europeia é uma espécie ameaçada e os principais fatores de ameaça são:

A deterioração dos habitats aquáticos e do meio circundante – A poluição da água, seja qual for a sua origem (industrial, urbana ou agropecuária), tem efeitos diretos (perda de isolamento térmico do pelo, alteração da fisiologia de reprodução) e indiretos (distrofia dos sistemas naturais, eutrofização, alteração da cadeia alimentar) sobre a lontra. A destruição da vegetação ripícola reduz as condições de abrigo nas margens, alimentação e segurança para a espécie. O empobrecimento do coberto vegetal reflete-se na produtividade dos cursos de água, onde a matéria orgânica (raízes, folhas secas, insetos) que chega ao rio é essencial para a manutenção da cadeia alimentar e o funcionamento de todo o ecossistema. A regularização dos sistemas hídricos (nomeadamente através da transformação dos cursos de água em valas artificiais com a uniformização do substrato, no intuito de melhorar o escoamento hídrico) leva também à destruição total da mata ripícola e da vegetação aquática, modificando drasticamente o leito do rio e reduzindo a potencialidade do habitat, eliminando a alternância das zonas de remanso e de rápidos, essenciais para o refúgio, descanso, reprodução e alimentação. Esta uniformização cria dificuldades na atividade predatória da lontra, por falta de locais encaixados onde o animal possa encurralar as suas presas.

A caça ilegal – A perseguição direta por pescadores, proprietários de estabelecimentos aquícolas e “bicheiros” pois a lontra é considerada um competidor do Homem no que se refere aos recursos piscícolas. Por outro lado, a espécie é caçada por desporto, pela sua carne ou ainda pela sua pele, que tem valor económico, apesar de ser ilegal a sua comercialização.
As lontras-europeias foram caçadas pela sua pele a ponto de ficarem quase extintas. No início do século XX, existiam apenas entre 1000 e 2000 animais. Atualmente, as lontras-europeias estão protegidas pela lei.

A mortalidade acidental – Afogamentos em redes de pesca e atropelamentos. A morte acidental por atropelamento ocorre mais frequentemente do que seria previsível numa espécie com hábitos semiaquáticos. O aumento da intensidade de tráfego e da densidade viária, próximo ou sobre sistemas aquáticos, aumenta a probabilidade de colisão da lontra com os veículos automóveis.

A Lontra-europeia está inserida na Lista dos Mamíferos Raros e Ameaçados do Conselho da Europa, no Anexo II da Convenção de Berna e no Anexo I da Convenção de CITES. O Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal atribui-lhe o estatuto de Insuficientemente Conhecida.

Principalmente nos países industrializados da Europa Ocidental, tem-se verificado um decréscimo acentuado das populações de lontras. A espécie chegou a estar extinta em países como a Holanda, Suíça, Luxemburgo e, segundo alguns relatos, na Bélgica.

Várias são as medidas de conservação que podem ser utilizadas para continuar a observar este simpático mamífero a brincar nas águas do Rio Vez. Entre outras podemos:

– Melhorar a eficácia de fiscalização sobre captura, abate e envenenamento.

– Promover a conservação e/ou recuperação dos habitats aquáticos e do meio circundante, sem prejuízo das limpezas e desobstrução das linhas de água necessárias à drenagem e funcionalidade da corrente.

– Manter ou melhorar a qualidade da água num estado ecológico favorável à conservação da espécie.

– Condicionar a captação de água em zonas de reprodução, alimentação e abrigo e durante os meses de menor escoamento (variável de ano para ano, de acordo com as condições hidrológicas).

– Restringir o uso de agroquímicos, adotando técnicas alternativas como a proteção integrada e outros métodos biológicos.

– Implementar medidas/estruturas preventivas que reduzam a mortalidade acidental por atropelamento, nomeadamente passagens para fauna e sinalizadores rodoviários.

Utilizar a lontra, uma espécie atrativa e cativante, como forma de informar e sensibilizar o público não só para a sua conservação mas também para a importância das zonas húmidas em geral. Podem ser desenvolvidas campanhas de sensibilização e educação ambiental que envolvam os sectores da população mais diretamente relacionados com a gestão e utilização dos ambientes aquáticos e ripícolas (autarquias, pescadores, “utilizadores” e gestores de meios aquáticos e professores) e que incidam sobre vários grupos etários.

Lontra- europeia (Lutra lutra) . Foto © Bernardete Amorim

A população Portuguesa desta espécie é, ainda, uma das mais saudáveis do continente europeu. No entanto, devido à deterioração dos habitats aquáticos, à perturbação pelo homem, à mortalidade acidental e à caça ilegal, este mamífero corre risco de ficar em vias de extinção. Todos nós devemos lutar para que isto não aconteça, fazendo escolhas mais ecológicas de forma a preservarmos a Biodiversidade do Rio Vez e consequentemente este ameaçado mamífero.

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